sábado, 23 de maio de 2009

Da batalha do amor da terra com o amor do ar


Eu tenho duas amantes,
uma viva e uma secreta.
Uma tem a pele sedosa
que ela roça na minha barba e se espeta.
Tem sorrisos, beijos, desejos,
dedos que estalam, gracejos,
tem os olhos mais belos que vejo
e um infinito que me desperta.

Tem um gosto que complementa
e me aumenta, me expande a mente.
Tem um cheiro que me sustenta
e é acalento freqüente
a solidão que me isola
do resto de toda a gente.
Tem um jeito veemente de amar
meu jeito tão estranho de ser,
e de sempre perdoar,
calar, consentir, devotar
um generoso sentir, e aprender
um pouco com nosso viver.

Ela é tão bela que me cala,
não cabe no meu verso,
sua beleza é do espirito:
uma sublime forma de protesto.
Ela é um fim por si só,
mas não termina por aí.
Ela é apenas um pólo
nesse feminino complexo do sentir.

Penosamente
há ainda uma outra metade
em algo tão difícil de repartir.
A minha própria musa interior
que muito demorei a descobrir.
Percebi-a em um momento semelhante
quando por um longo instante
ela me abandonou.
Arrebatado, fui ao inferno em sua busca
nos cantos mais escuros do que sou.
Quando a achei foi tamanha plenitude
que a gente nunca mais se abandonou.
Nossa presença é mutua e constante
como uma alma que consigo mesma se casou.

Aconteceu então de aparecer a tal donzela
tão bela que por um instante me esqueci
da mulher que sempre carrego na lapela
e dos encantos magicos ,
dos recursos tragicos
que os espiritos tem pra si.

Cheia de ciume e vaidade
minha anima, incontentável, se feriu
e em inescrupuloso ato de vontade
teimou e não permitiu
que eu a amasse por completo.
De certo cai em sua armadilha,
a filha da mãe me convenceu
que se lhe abandonasse por um dia
seu toque nunca mais seria meu.
Custei a perceber a sacanagem
desse ato de metafisica mesquinhez.
Demorei mas entendi
que se sentia sua falta
certamente, a minha
ela havia de sentir.
Mas não foi que a ciumenta conclamou
todos os demonios do seu reino
e toda confusão que me assolou
veio da duvida que a matéria é pro sonho.
Batalhei os meus impulsos mais estranhos
apazigüei as mil feras do interior.
E percebi, enfim, que havia espaço
para amar ao mesmo tempo as duas partes.
com minha amante secreta eu criaria
e viveria com a de verdade.

terça-feira, 12 de maio de 2009

XV


Esse tal demonio
é uma voz da tentação
sussurando no meu ouvido
palavras de confusão.

Eu e ele somos um,
num só corpo tão plural.
Minha mente é toda nossa
de tal forma que não sei
quando é ele que pensa,
quando fui eu que pensei.

O sacana me engana
em meta-ataques cerebrais
me sacode quando fortalece
meus desejos materiais.
Ele quer o caminho debaixo
da carne bem rente ao chão.
Ele quer facilidade,
nao quer fazer força não.

Ele é um imã escondido
que me afasta da minha vontade.
O maior dos meus inimigos
pois sou eu, oposto à verdade
(a minha verdade).

Teoria do jogo


Ainda estou integrando
aquele poema que escrevi,
com ele evoquei
muito mais do que pedi.

Ha um poder estranho nas palavras
de trazer a tona verdades
e desdobramentos consecutivos
nos meus projetos de realidade.

É como se manipular perspectiva
fosse seu dom maior.
Por algum poder sem nome
que flui de qualquer lugar
meu ser transmuta do engano
para algo particular.

Escrever é um ato epifânico,
de se alçar transformações
nesse jogo profundo e humano
cada verso que surge
solve et coagula ilusões.