Existiam, na terra do alto das idéias, lá aonde a carne é pensamento, dois seres que batalhavam pelo controle de um corpo. Um ser, cheio de orgulho, esforçava-se dia após dia para ser melhor, mais equilibrado mais próximo do divino. Eternamente submetido a sua disciplina e ao seu rigor, esse ser se temperava a medida que os dias passavam, aprendia pouco a pouco a relevar o que sentia, o que achava, a se aprimorar como um ser que habitava um mundo de tantos outros seres.
O outro ser era diferente. Um ser de regojizo. Acreditava já ser, como era, o mais perfeito, o mais divino e o mais completo ser que nessa terra havia. E não é que fosse arrogante, achava com absoluta certeza que este era um atributo de tudo, e que seu rival também era assim, só falhava-lhe o entendimento. Perturbava-o, portanto, a idéia dele não ver algo tão trivial.
Acontecia que o asceta também não compreendia como seu irmão não se esforçava para se corrigir constantemente. Dizia ele “Não vês, amigo, que és uma pedra bruta esperando pra ser lapidada? Que a sua beleza agora é nada mais que uma fagulha do que um dia podes te tornar?!” Ao que o outro respondia: “Não, camarada, não vejo nada mais belo nesse mundo do que o bruto, se queres te aproximar do divino, por que por que foges do jeito que ele te concebeu? Já somos, agora, todas as nossas potencialidades.” Suas discussões eram longas e, tendo os dois pontos de vista irreconciliáveis, tornaram-se eventualmente as mais brutais batalhas.
Com o tempo, assim como as disciplinas alteravam o primeiro, a batalha alterou os dois fortalecendo cada vez mais seus corpos de pensamento, e deixando os embates cada vez mais horríveis. Aconteceu então de um dia, os dois imundos de sangue, agarrados e ao chão, sentirem algo de muito estranho. Era como se eles se fundissem em um, como se finalmente não houvesse diferença alguma entre o que diziam os dois. Nesse ponto eles tentaram se afastar, mas por algum motivo não conseguiam, tornavam-se um só ser. Com suas diferenças reconciliadas percebiam que como um passe de magica não havia diferença alguma entre os dois, e mais que isso, perceberam que desde o principio fora assim. Que suas diferenças nunca passaram de ilusões, como dois lados da mesma moeda. Percebiam que a única coisa que os mantinha separados era um engano. Foi então que eles, agora Ele, gargalhou por toda a eternidade.